
A AutoMotor convidou Domingos Piedade a passar vários dias ao volante do Peugeot iOn. O homem- -forte do Circuito do Estoril aceitou o repto e chamou o filho mais novo para partilhar consigo esta experiência 100% eléctrica. Encontrou qualidades e defeitos, mas admite estar duas gerações afastado destes modelos…
"Personalidade incontornável do desporto motorizado no nosso país, e não só, Domingos Piedade aceitou, sem reservas, o convite da AutoMotor para testar, durante alguns dias, um modelo diferente daqueles com que está acostumado a conviver: o 100% eléctrico Peugeot iOn, à venda em Portugal desde Fevereiro deste ano. Como correu a experiência? Bom, antes de mais considerações, nada como colocar os pontos nos ii.
Quando arrancou para este ensaio, Domingos Piedade fê-lo de mente limpa, “sem esperar nada”. Um bom tiro de partida. “Como estava a chover, quanto muito, estava à espera de um choque. Ficamos sempre de pé atrás”, ironiza. Apesar de ter apreciado o contacto com o iOn, o presidente do Conselho de Administração do Circuito do Estoril socorreu-se da “ajuda” do seu filho mais novo, Manuel, de 19 anos, estudante do segundo ano de Gestão da Universidade Católica.
Isto pela simples razão de se considerar já de outros tempos. “Estou duas gerações afastado dos veículos eléctricos. Isto será bom para os meus filhos e ainda mais para os meus netos. O meu filho Manuel, quando experimentou o iOn, quis logo trocar o smart dele por um… Não faz barulho, não polui, gasta menos. Mas é mais para as novas gerações, pois eles já têm essa consciência. No caso do meu filho, ele ficou muito ‘infectado’ com uma conversa que teve, há uns anos, com o engenheiro Carlos Pimenta. E quando falamos com ele, todos nós ficamos cheios de remorsos. Não sendo exactamente um activista verde, o Manuel é muito ligado ao ambiente”, reforça o nosso interlocutor, revelando ainda que a sua mulher, a psicóloga Ana Paula Reis, passou os dias que duraram o ensaio ao iOn a achar que este estava desligado…
Potência não é problema
Com 64 cv e 180 Nm, este veículo eléctrico apre - senta no currículo 15,9 segundos nos 0-100 km/h e uma velocidade máxima de 130 km/h. Mas, muito embora a sua vocação seja evidentemente urbana, não empata nas auto-estradas. “O Manuel subiu a A5, com à-vontade, a 110 km/h. Mais depressa do que com o seu smart”, conta. Domingos Piedade realça a particularidade de nos eléctricos, como este, o “torque se encontrar disponível logo por inteiro, tendo potência a qualquer altura”.
Habitante da linha de Cascais, Domingos Piedade considera a autonomia (anunciada) de 150 quilómetros aceitável. “A maior parte das pessoas aqui da linha vai diariamente para Lisboa e volta ao fim do dia, fazendo no máximo 40 quilómetros. Bastaria carregar de dois em dois dias e gastar um euro e pouco. Num carro gastador, que consuma cerca 7,8 l/100 km, se fizer cem quilómetros, a amortização do preço faz-se entre um ano e meio a três”, adianta.
Segundo a Peugeot, o custo de utilização do iOn situa-se entre 1,50 e 2 por cada 100 quilómetros percorridos, o que faz com que, tal como os veículos eléctricos em geral, tenha como destinatários mais prováveis as empresas. E, nesse contexto, para Domingos Piedade, a autonomia escassa até pode ser encarada como um plus para os patrões… “Seguramente que os funcionários que tenham o carro da empresa não vão passar o fim-de-semana à terra com tal autonomia”, ironiza.

Já os carregamentos...
A alimentação ao motor é assegurada por baterias de iões de Lítio, colocadas sob os bancos traseiros, podendo a recarga ser efectuada em qualquer tomada de 200 V. Para ficar a 100%, demorará seis horas, caso seja utilizada uma tomada doméstica tradicional. Já com uma recarga rápida, em tomada trifásica, obter-se-á uma capacidade de 50% em 15 minutos ou de 80% em trinta minutos.
Domingos Piedade, que não tem de partilhar uma tomada com vizinhos, evitou problemas de tal ordem neste ensaio, mas admite que este processo nem sempre seja assim tão pacífico. Até porque, na sua opinião, “muitas pessoas acham esquisita a forma de carregamento. Haverá até muita gente a roubar o cabo (de cobre)”. Depois, quem recorra aos postos de carregamento espalha dos pelo país também não tem a vida mais facilitada: “ não se pode lá deixar o automóvel. Não estamos habituados a isto”, sublinha.
... e até o preço
Se a potência não é um problema, se a autonomia é razoável, e apenas os carregamentos são um handicap a superar – mas mais ao nível das próprias infra-estruturas –, quais serão os defeitos encontrados por Domingos Piedade no iOn? Será o preço com que esta primeira geração de veículos eléctricos se apresenta para consumo privado?
Recorde-se que o iOn tem um preço recomendado de 36 350, estando isento de ISV e de IUC. Incluindo o incentivo do Estado para particulares, o preço será reduzido para 31 350. Caso o cliente tenha um veículo com motor térmico elegível para abate, será igualmente abrangido pelo programa de incentivo para veículos em fim de vida, de onde resulta um apoio do Estado no montante de 1500 (cumulativo com os 5000). Domingos Piedade considera que o preço é ainda o “busílis da questão. Uma diferença entre 10 000 e 30 000 é significativa. Quem o comprar tem de gastar quatro vezes menos para que este compense, para se ter um balanço dos gastos”.
Depois, um apontamento, segundo esclarece, muito pessoal: “É feiote... E custa tanto fazer feio quanto bonito. Não ficava mais caro. E era um plus que podia fazer a diferença na escolha das pessoas. Tem de ter uma boa imagem”. A brincar, Domingos Piedade costuma dizer que, de frente, “ainda vá”, mas que, na traseira, parece que o criativo não o acabou porque teve de “sair às 17h00”.
Com quatro lugares e cinco portas, o iOn também “podia ser um bocadinho mais confortável. E refiro-me sobretudo aos banquinhos. Também aí não ficava muito mais caro. O que vale é que também não é para fazer muitos quilómetros seguidos”, acrescenta.
Caminho certo
Independentemente das virtudes e defeitos que possam ter no presente, Domingos Piedade não duvida de que os veículos eléctricos são o futuro. Segundo explica, modelos como o Peugeot iOn (e o Mitsubishi i-MiEV e Citroën C-Zero, seus irmãos gémeos) servirão para “despertar a atenção de todos para uma nova categoria de mobilidade. Assim que o preço descer, assim que as baterias e a autonomia evoluam. Mas é esta a direcção. A UE, em 2050, não quer veículos a gasolina nem a gasóleo dentro das cidades”. E isso é um forte “aviso à navegação”.
Em: http://automotor.xl.pt/0511/blue_auto/200.shtm